Imagine que você alugou um apartamento, investiu em melhorias – seja uma cozinha planejada ou um jardim no terraço – e, de repente, o proprietário decide vender o imóvel. O que acontece com o seu investimento? Nesse cenário, locatários e locadores precisam conhecer bem os direitos e deveres envolvidos nas benfeitorias em imóveis alugados, para agir com segurança jurídica e abordagem estratégica e ética na solução do caso. A seguir, esclarecemos os pontos-chave com base na legislação vigente e princípios aplicáveis.
Índice
- Tipos de benfeitorias e sua classificação legal
- Direito à indenização por benfeitorias necessárias e úteis
- Direito de retenção: garantia do locatário até ser indenizado
- Limites: benfeitorias voluptuárias e cláusulas contratuais de renúncia
- Abordagem estratégica, documentação e boa-fé na resolução de conflitos
- Conclusão
Tipos de benfeitorias e sua classificação legal
Para entender seus direitos, é fundamental distinguir os tipos de benfeitorias previstos em lei. O Código Civil Brasileiro (art. 96) e a Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91) classificam as melhorias em três categorias principais:
- Benfeitorias necessárias: obras indispensáveis para conservar o imóvel ou evitar sua deterioração (por exemplo, consertar infiltrações ou substituir instalações elétricas perigosas);
- Benfeitorias úteis: melhorias que aumentam ou facilitam o uso do bem, embora não essenciais (por exemplo, instalar armários embutidos ou divisórias para melhor aproveitamento do espaço);
- Benfeitorias voluptuárias: são aquelas de luxo ou mero deleite, voltadas apenas ao conforto ou estética, sem aumentar a utilidade do imóvel (por exemplo, construir uma piscina ou fazer uma decoração sofisticada).
Essa classificação é importante porque a legislação concede tratamentos diferentes a cada tipo de melhoria, principalmente quanto ao direito de indenização (reembolso) e retenção do imóvel pelo inquilino.
Aproveite para saber mais sobre o que acontece quando existe venda de imóvel alugado? Entenda seus direitos e deveres.
O que acontece quando existe venda de imóvel alugado? Entenda seus direitos e deveres
Direito à indenização por benfeitorias necessárias e úteis
Tanto o Código Civil quanto a Lei do Inquilinato asseguram que determinadas benfeitorias feitas pelo locatário devem ser indenizadas pelo proprietário ao final do contrato. Em regra, benfeitorias necessárias, mesmo realizadas sem autorização do locador, e benfeitorias úteis, desde que feitas com consentimento do locador, são indenizáveis ao término da locação.
Isso significa que o inquilino tem direito de receber do proprietário o valor investido nessas melhorias, evitando o enriquecimento sem causa do dono do imóvel. Este princípio jurídico garante que o locador não lucre indevidamente com os investimentos do locatário em melhorias que preservam ou agregam valor ao imóvel.
É importante mencionar que essas regras estão dispostas no art. 35 da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato) e têm correspondência no Código Civil de 2002. O art. 578 do Código Civil, por exemplo, reforça que, salvo disposição em contrário, o locatário tem direito de reter o imóvel em face de benfeitorias necessárias ou úteis feitas com consentimento do locador – o que pressupõe justamente o direito à indenização nessas hipóteses.
Em outras palavras, o ordenamento jurídico busca equilibrar a relação locatícia, reconhecendo o esforço do inquilino que melhora o imóvel e protegendo seus investimentos.
Direito de retenção: garantia do locatário até ser indenizado
Além do direito ao reembolso, a lei confere ao locatário o chamado direito de retenção. Esse direito permite que o inquilino permaneça no imóvel alugado após o fim do contrato, recusando-se a entregá-lo, até receber a indenização devida pelas benfeitorias indenizáveis.
Trata-se de uma garantia legal poderosa: o imóvel funciona como uma espécie de “garantia” até que o proprietário ressarça o locatário. O Código Civil corrobora essa proteção ao afirmar que o locatário gozará do direito de retenção enquanto não for ressarcido das benfeitorias necessárias ou úteis feitas com consentimento do dono.
É válido destacar que esse mecanismo incentiva uma solução ética e negociada. Saber que o inquilino pode reter o imóvel encoraja o locador a indenizar espontaneamente, evitando litígios prolongados ou a ocupação indesejada do imóvel.
Caso o proprietário original venda o imóvel a terceiros, os direitos do inquilino por benfeitorias não desaparecem – o novo proprietário deverá respeitar o direito à indenização ou poderá enfrentar o exercício da retenção até o pagamento devido, uma vez que a posição de locador (e suas obrigações) é transferida junto com o imóvel alugado.
Limites: benfeitorias voluptuárias e cláusulas contratuais de renúncia
É preciso ter equilíbrio e conhecer também os limites desses direitos. Em se tratando de benfeitorias voluptuárias (luxuosas), a lei é clara: elas não dão direito a indenização.
O locatário pode, ao término do contrato, retirar essas benfeitorias de luxo que instalou, desde que a remoção não cause dano à estrutura ou substância do imóvel Ou seja, se você instalou algo meramente estético (como luminárias de design ou paisagismo decorativo), poderá levar consigo ao sair, mas não pode exigir reembolso do proprietário por esses gastos supérfluos.
Outro ponto crucial é verificar o contrato de locação. A legislação permite que as partes ajustem certas condições, e é comum encontrar nos contratos uma cláusula de renúncia do locatário à indenização de benfeitorias e ao direito de retenção.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou entendimento pela validade dessa cláusula de renúncia (Súmula nº 335 do STJ). Em outras palavras, se o contrato assinado contiver disposição expressa de que nenhuma benfeitoria será indenizada, independentemente de sua natureza, essa previsão é juridicamente válida e poderá afastar aqueles direitos que a lei, em situação padrão, concederia ao inquilino.
Por isso, locadores e locatários devem estar muito atentos às cláusulas contratuais: o locatário para saber se abriu mão desses direitos ao assinar o contrato, e o locador para assegurar que eventual renúncia esteja redigida de forma clara e eficaz, evitando disputas futuras.
Contudo, mesmo havendo tal cláusula, a postura estratégica e ética de ambos os lados é recomendada. O locatário, ciente de que renunciou à indenização, deve buscar autorização prévia para qualquer melhoria útil e negociar acordos (por exemplo, um abatimento nos aluguéis) antes de investir no imóvel – prevenindo prejuízos caso tenha abdicado do reembolso.
Já o locador, agindo com boa-fé e equilibrando a relação, deve avaliar caso a caso: melhorias necessárias, por exemplo, são essenciais à conservação do imóvel e, ainda que haja renúncia, a boa-fé objetiva e a ideia de não se beneficiar injustamente de gastos alheios (evitar enriquecimento sem causa) devem orientar a condução do conflito.
Há situações em que insistir rigidamente na cláusula de não indenizar pode parecer legalmente possível, porém pouco ética ou mesmo questionável perante princípios do direito civil.
Abordagem estratégica, documentação e boa-fé na resolução de conflitos
Tanto para locatários quanto para locadores, a melhor forma de lidar com benfeitorias é prevenir conflitos e agir com transparência. Do ponto de vista prático, se você é inquilino e pretende realizar melhorias no imóvel, comunique-se por escrito com o proprietário. Busque autorização formal especialmente para benfeitorias úteis, detalhando o que será feito.
Isso não apenas é uma atitude profissional e ética, mas também reforça sua posição jurídica: melhorias úteis autorizadas são indenizáveis por lei. Além disso, registre tudo: guarde orçamentos, notas fiscais de materiais e serviços, contratos de empreiteiros e tire fotos do “antes e depois” das obras.
Essa documentação completa servirá como prova do investimento e da valorização agregada ao imóvel, fortalecendo sua posição em eventual negociação ou ação judicial, sempre embasada na verdade dos fatos.
Por outro lado, se você é proprietário (locador), mantenha um diálogo aberto com o inquilino. Autorize por escrito apenas as benfeitorias que realmente agreguem valor ou sejam necessárias, e deixe claro no contrato quais direitos o locatário terá ou não em relação a essas intervenções.
Agir preventivamente e de forma clara evita desentendimentos e demonstra profissionalismo e respeito. Lembre-se de que um inquilino satisfeito e tratado com justiça tende a cuidar melhor do imóvel e a buscar soluções consensuais mesmo na rescisão.
Em todos os casos, a assessoria jurídica especializada é uma grande aliada. Um advogado pode orientar na elaboração de contratos equilibrados, na negociação de indenizações e no exercício dos direitos de retenção de maneira apropriada e ética.
Seja para o locatário que investiu em melhorias e quer garantir seu ressarcimento, seja para o locador que deseja retomar o imóvel sem injustiças, a estratégia legal bem fundamentada, pautada na legislação atualizada e em princípios como boa-fé e justiça, fará toda a diferença.
Conclusão
As benfeitorias em imóveis alugados costumam ser fonte de dúvidas e tensões na relação locatícia. Conhecer os direitos envolvidos – o que deve ou não deve ser indenizado, em que condições o inquilino pode reter o imóvel, e como as cláusulas contratuais podem modificar essas regras – confere autoridade e segurança tanto para quem aluga quanto para quem é dono do imóvel. O tema requer equilíbrio: nem locatário nem locador devem agir de forma oportunista. A palavra-chave é equilíbrio, guiado pela lei e pela ética.
Em resumo, benfeitorias necessárias ou úteis autorizadas garantem ao inquilino o direito de indenização e, se preciso, retenção do imóvel até ser pago o que gastou.
Já as benfeitorias voluptuárias ficam por conta e risco do locatário, que não será reembolsado e apenas poderá retirá-las ao sair. Sempre verifique seu contrato: a renúncia prévia a esses direitos é válida e comum, exigindo atenção redobrada e uma gestão mais cuidadosa das melhorias realizadas.
Por fim, valorize a postura estratégica e de boa-fé na resolução de qualquer impasse: documente, comunique-se e, se necessário, busque apoio jurídico especializado. Assim, qualquer que seja o desfecho – continuidade da locação, rescisão amigável ou disputa judicial – as partes poderão resolver a questão das benfeitorias com justiça, profissionalismo e respeito mútuo, preservando a integridade do contrato e a seriedade da relação locador-locatário.
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Débora Brandão Filadelfo (OAB/SP: 494.406) é advogada formada pela Universidade de São Paulo, com pós-graduação em Processo Civil pela PUC Paraná. Com um forte compromisso com o aprendizado contínuo, atualmente está se especializando em Direito Imobiliário. Débora destaca-se por seu rigor técnico e profundo conhecimento jurídico, qualidades que a capacitam a oferecer soluções eficazes e personalizadas aos seus clientes.